Dia 27 de novembro é o dia
nacional pela legalização da maconha e de prevençao ao câncer. Em torno do debate acerca do uso medicinal da
maconha estão também outros processos como a descriminalização do usuário,
legalização das drogas e a promoção da saúde. Falar de maconha medicinal
significa falar também de uma estratégia de politização do uso de drogas e sua
repercussão na esfera social. Foi apenas na nossa sociedade contemporânea em
que se declarou guerra às drogas, uma guerra que tem cor e classe. A
mercantilização de determinadas substâncias produz efeitos perversos que evidenciam
ainda mais as contradições do nosso modelo de desenvolvimento.
A ATUAL LEI DE DROGAS BRASILEIRA: A CRUZADA MORAL DA ROTULAÇÃO DO
DESVIO
A atual lei de drogas, 11.343 de
2006, “reduziu” a pena para usuários, porém aumentou a pena de
reclusão por tráfico de drogas. A Lei não distingue usuário de traficante, isso
causa consequências no tempo de prisão, mas é possivel traçar uma linha em que
usuários estão de um lado e traficantes estão do outro? Partindo da vivência de
que usuários partilham quantidades entre si, estes seriam traficantes segundo a
Lei. Compreende? A Lei de drogas não condiz com a realidade da cultura de
drogas e não compreende as diferentes formas de usos envolvidas nessa
sociabilidade.
Ainda, o julgamento de quem é
usuário ou traficante acaba por pertencer ao policial que faz o flagrante,
abrindo ainda mais margem para o “desenrolo” já sabido ou, em outras palavras, suborno. O idioma
falado por quem experimenta não corresponde à realidade produzida pela
aplicação da atual lei de drogas.
AS DROGAS SÃO A EXPRESSÃO DE DIFERENTES MODOS DE ENGAJAMENTO COM O
MUNDO
Algumas pesquisas - como Howrad Becker, 2008; Eduard MacRae, 2000;
Giberto Velho, 1980 e Alba Zaluar, 1994 – sugerem que para se compreender o
consumo de drogas é preciso levar em consideração não só os componentes
químicos das substâncias, mas também fatores socioculturais. O que está em jogo
é o uso que se faz da droga, e não a substância em si. Partir dessa concepção
significa questionar associações infundadas como a relação entre drogas
e violência, drogas e transtorno mental, por exemplo. Não são junções óbvias,
são atravessadas de julgamentos morais e rotulação de determinados
comportamentos que vão de encontro à perspectiva biomédica de extensão da vida
em detrimento da intensidade, legitimada pelos saberes médicos e jurídicos.
Estamos falando de modos de engajamento com o mundo que são aceitos ou não,
permitidos até certo ponto, desde que...
E O DEBATE NO STF?
Chegou à instância do Supremo
Tribunal Federal um recurso movido pela
Defensoria Pública de São Paulo em favor de um réu pego com 3 gramas de maconha
na prisão. A Defensoria argumenta que a lei fere o direito à liberdade, à
privacidade, e à autolesão (direito do indivíduo de tomar atitudes que
prejudiquem apenas si mesmo), garantidos na Constituição Federal. Os 11
ministros estão analisando um Recurso Extraordinário que questiona se o artigo
28 da Lei de Drogas é inconstitucional. Esse artigo prevê que é crime adquirir,
guardar ou transportar droga para consumo pessoal, assim como cultivar plantas
com essa finalidade.
Fachin,
Barroso e Gilmar Mendes se posicionaram contra a criminalização. Faltam ainda os votos de
oito ministros para uma decisão final sobre o assunto. Em entrevista à BBC, Barroso disse que esse julgamento
“pode ser o marco inicial de uma nova política pública em matéria de drogas. Um
primeiro passo que possa levar a uma política de legalização e eliminação do
poder do tráfico. Para usar um lugar comum: Roma não se fez em um dia. A gente
na vida tem que respeitar o ciclo de amadurecimento da sociedade.”
Fachin e Barroso seguiram parcialmente o voto
proferido em agosto pelo relator do caso, ministro Gilmar Mendes. Na ocasião, ele votou para derrubar o caráter penal do porte para consumo de qualquer droga. Fachin e
Barroso, no entanto, restringiram a descriminalização apenas para a posse de
maconha voltada para uso próprio.
Ao votar, Barroso afirmou que o cidadão tem o direito
de escolher o que fazer com o próprio corpo. "O Estado tem todo o direito
de combater o uso, de fazer propaganda, de fazer advertências, mas punir com o
direito penal é uma forma de autoritarismo e paternalismo que impede o
individuo de fazer suas escolhas individuais", afirmou.
INICIATIVAS
PARLAMENTARES
Em 2014 o deputado federal
Jean Wyllys (PSOL-RJ) protocolou um projeto de lei que prevê a produção e venda de
maconha no país. Pela proposta, o governo teria o controle da comercialização
por meio do registro dos locais de produção e pontos de venda, além de ficar
obrigado a padronizar e inspecionar o produto. Também fica permitido o cultivo
limitado da planta da cannabis, matéria-prima da droga, dentro da casa do
usuário.
Em contrapartida, o deputado
Osmar Terra (PMDB-RS) tem outro projeto de lei que endurece a atual lei de
drogas, anteriormente citada. Ele considera que a maconha é uma droga pesada. O
deputado critica a política de drogas implantada no Uruguai, dizendo que é“um
desastre! Para a juventude uruguaia e para nós, que vamos receber um grande
incremento na importação de drogas. Assim como temos uma grande importação por
conta do narco-Estado da Bolívia, onde se planta coca livremente. O crack que
os meninos do Rio e São Paulo fumam vem da pasta-base boliviana, principalmente
depois que o Evo Morales assumiu a presidência. A questão das drogas é séria e
grave. Eu respeito a história do Mujica, mas ele está mal assessorado. O Julio
Calzada, que é o responsável por pensar a política de drogas por ele, é uma
pessoa que milita numa corrente filosófica. Eu estive no Senado uruguaio para
debater isso. Os argumentos deles estão longe de ter qualquer embasamento
científico. São ideológicos: “a pessoa deve ter a liberdade de usar”. São
argumentos que podem ser rebatidos da mesma maneira. Alguém que tem a liberdade
de usar e não consegue trabalhar por isso, prejudica a pessoa que tem que
trabalhar mais para sustentá-la. A liberdade também é um conceito social. Ou
todos têm liberdade ou ninguém é livre.”
Para aprofundar o debate,
leia: http://oglobo.globo.com/sociedade/osmar-terra-jean-wyllys-debatem-politica-de-drogas-brasileira-12171237
LEGALIZA! É PELA VIDA!
Já foi comprovado
cientificamente que diferentes usos da maconha podem aliviar a dor e os
sintomas de diversas doenças, como Quimioterapia e aids, esclerose múltipla,
epilepsia e dores crônicas. Além de Alzheimer, diabetes, Doença de Chron, glioma,
hepatite C, Doença de Huntington, hipertensão, incontinência urinária,
osteoporose, artrite reumatoide, Síndrome de Tourette, glaucoma. Clique aqui para conhecer estudos
relacionados a estes diagnósticos e o uso medicinal da maconha: http://campanharepense.org/estudos/
Legalizar a maconha para fins
terapêuticos representa um avanço para a medicina. A tese é defendida por
Elisaldo Carlini, psicofarmacologista, professor da Faculdade Federal de
Medicina de São Paulo, (Unifesp) e membro do comitê de peritos da Organização
Mundial da Saúde (OMS) sobre álcool e drogas.
Em outras palavras, “os remédios normais não aliviam a pressão”, mas
enquanto isso ainda tem muito “índio” sendo preso por “fumar o
cachimbo da paz”.
Hoje, no Brasil, já poderíamos
ter o uso por compaixão: o médico prescreve o produto que é fabricado na
Inglaterra ou nos EUA e o paciente tem o direito por lei de fazer com que o
governo brasileiro autorize a importação. Mas a burocracia é infernal e apenas
quem tem condições financeiras se beneficia com esta forma de fazer acontecer.
Pensar a medicalização da maconha não deve ser um processo de via única em que
aqueles que são presos e mortos em decorrência da proibição da droga não
protagonizam o debate.
De
acordo com um relatório dos repórteres Willian Ferraz, Hugo Bross, Kaio Diniz e
Vanderson Freizer, 56% dos assassinatos no Brasil têm ligação direta com o
tráfico. Os mortos, em sua grande maioria, são jovens pobres de 15 a 25 anos. E
são mais de 50 mil mortes por ano. Segundo o Instituto de Segurança Pública
(ISP), só no Rio de Janeiro, em 2013, houve 4761 homicídios, 16,7% mais que em
2012. Desse total, 416 foram assassinatos cometidos pela polícia e registrados
sob o eufemismo de "auto de resistência". Mas essa "guerra"
impediu que as pessoas consumissem drogas ilícitas? Não. De acordo com um
estudo do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Políticas Públicas do
Álcool e Outras Drogas da Unifesp, a maconha é consumida por mais de um milhão
de brasileiros, e 7% dos adultos já fumaram alguma vez. Dentre eles, 62%
tiveram o primeiro contato com a maconha antes dos 18 anos de idade.
A juventude negra e pobre é a
principal vítima da criminalização das drogas, o resultado disso é o
encarceramento em massa e o genocídio dessa população. Além disso, aumenta
exponencialmente o número de mulheres que são presas pelo crime de tráfico, é
muito comum que mulheres sirvam de “mulas”para o transporte de drogas.
Legaliza! É pela vida!
EXPERIÊNCIAS DA MEDICALIZAÇÃO DA MACONHA EM OUTROS PAÍSES
ISRAEL
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O Ministério da Saúde mantém
um programa de cannabis medicinal que em 2013 fornecia maconha in natura para
cerca de 13 mil pacientes. A droga é cultivada por uma empresa criada pelo
governo para atender ao programa. A solicitação deve ser feita via fax ou
e-mail pelo médico do paciente e é avaliada por um dos 31 médicos que fazem a
triagem dos casos. Os pedidos devem ser respondidos em até 48 horas, no caso
de pacientes terminais, e em até 2 semanas, no de pacientes de câncer em
quimioterapia.
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CANADÁ
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Em 2001, por determinação da
Justiça, o país criou o primeiro programa federal de maconha medicinal do
mundo. O Regulamento de Acesso à Maconha Medicinal permitia que pessoas com
indicação médica e cadastro no programa pudessem comprar a erva do governo ou
cultivá-la. A partir de março de 2014, uma nova regulamentação determina que
os pacientes com prescrição médica comprem maconha diretamente nos produtores
licenciados pelo governo. No início de 2013, o Canadá tinha 28 mil pacientes
com autorização para usar cannabis medicinal.
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EUA
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Um plebiscito realizado na
Califórnia aprovou, em 1996, uma lei que regula o uso medicinal de maconha e
de produtos derivados. Atualmente, outros 22 estados e o Distrito Federal têm
leis semelhantes. Na maioria dos estados, o paciente que tem a indicação de
um médico para o uso terapêutico de Cannabis pode portar, plantar ou comprar
a erva em lojas que funcionam como cooperativas. Apesar de a lei dos EUA
considerar crime qualquer uso de maconha, as autoridades federais respeitam
as leis estaduais sobre o tema.
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HOLANDA
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O país criou em 2011 um
Escritório de Cannabis Medicinal para organizar a cadeia produtiva da droga
para uso terapêutico e científico. Apenas uma empresa tem autorização do
governo para produzir maconha medicinal para o governo, com um rígido
controle de qualidade. Ela fornece quatro variedades, cada uma indicada para
um tipode doença. Todos os tipos podem ser comprados em farmácias comuns, com
prescrição médica. Os cerca de 10 mil pacientes medicinais do país podem
pedir reembolso do plano de saúde pelos gastos com a droga.
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OUTROS PAÍSES
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Áustria, Bélgica, Finlândia
e República Tcheca também possuem leis que, teoricamente, permitem o acesso à
maconha medicinal. Na prática, no entanto, elas são muito restritivas e
ajudam pouquíssimas pessoas em cada país. Em 2014, o Uruguai também
regulamentou o uso de cannabis medicinal, mas o programa ainda está em seus
primeiros passos.
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E NO BRASIL?
Apesar de qualquer produto
extraído da Cannabis sativa ser proscrito, a lei brasileira de drogas permite
seu uso com fins medicinais. Esse direito, no entanto, ainda não é regulado
pela Anvisa, responsável por esse controle. Recentemente, a ANVISA retirou o
CBD da lista dos proibidos e agora o THC também está para sair, mas precisa de
uma regulação e sanar os problemas que envolvem a circulação de uma droga
proibida. É preciso legalizar!
“AI, MEU DEUS, O DIABO É CARETA”- E EU, VOCÊ, A ESQUERDA TAMBÉM SOMOS
O que fazer com tudo isso? Um
bom começo é fazer a autocrítica sincera e profunda sobre a ocorrência de um
falso moralismo e discurso que convém em determinados espaços e que os permeia.
Infelizmente, ou não, nós da esquerda não vivemos em uma bolha. Estamos e somos
cotidianamente atravessados por valores e moral que ditam as regras de
comportamentos que devem ser seguidos. Pode não parecer simples, mas basta
compreender que cada um tem direito ao próprio corpo e à vida, à liberdade.
Trata-se de um exercício pedagógico que serve também de analogia para uma
porção de outras bandeiras que nos são caras, como a bandeira feminista, de
negros e LGBT. Trata-se de um exercício que não, não cabe só a você da esquerda
porque teria a “responsabilidade
militante”de fazê-lo, mas também diz
respeito à sua família, ao vizinho, ao cachorro e ao papagaio. Falar sobre isso
significa falar também de uma estratégia de politização dos processos sociais.