terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Uma oportunidade trágica para conscientização e reflexão do modelo de desenvolvimento capitalista

Por Setorial de Meio Ambiente

O colapso hídrico tragicamente visível na realidade brasileira, sobretudo da região sudeste, remete às mais variadas discussões em torno do meio ambiente, a começar pelo Novo Código Florestal (Lei 12.651/12e a transposição do Rio Paraíba do Sul. São levantadas também questões como a suposta displicência no uso doméstico e questionado o racionamento urbano. Trata-se de uma lamentável conjuntura favorável para compreendermos o modelo de desenvolvimento ao qual estamos submetidos e também para localizarmos possibilidades para atuação de nosso papel enquanto instrumentos que devem atuar além do denuncismo do capitalismo por si só.

Novo código florestal ou o Código do agronegócio?
O Código Florestal foi um dos principais destaques na agenda legislativa em 2012, demonstrando não ser apenas um problema agrícola ou rural, e sim um problema nacional que traz consigo a discussão acerca do modelo econômico exportador brasileiro, a biodiversidade, a política agrária e a política agrícola. Os desdobramentos do referido debate expõem a floresta como a maior aliada da agricultura, pois o maior insumo da agricultura é a água. Entretanto, a nova lei diminuiu a proteção às nascentes de rios: antes todos proprietários rurais deveriam proteger uma área de 50m ao redor das nascentes, agora, sob o título de “área rural consolidada”, a proteção exigida legalmente será de apenas 15m. Nós temos hoje um sistema de captação extremamente fragilizado e as margens dos reservatórios se encontram em total ausência desta mínima proteção.

A maior parte da população brasileira se mostrou contra a aprovação do Código, mas mesmo assim os parlamentares o aprovaram, evidenciando mais uma vez a distorção política na democracia representativa. A mesma dicotomia identificada entre a bancada ruralista e a vontade popular está presenta na incompatibilidade entre agronegócio e preservação ambiental. Uma agricultura sábia recupera o meio ambiente e aumenta a produtividade, não a destrói inconsequentemente agindo às cegas e tomando como verdade uma ilusória infinidade dos recursos naturais.

Rio Paraíba do Sul
O Rio Paraíba do Sul resulta da confluência dos rios Paraibuna e Paraitinga, que nascem no Estado de São Paulo, a 1.800 metros de altitude, na Serra da Bocaina. O curso da água percorre 1.150 km, passando por Minas Gerais e Rio de Janeiro, até desaguar no Oceano Atlântico em São João da Barra (RJ). Os principais usos da água na bacia são: abastecimento, diluição de esgotos, irrigação e geração de energia hidrelétrica. Ao todo, quase 16 milhões de pessoas recebem água do Paraíba do Sul. Um grande número para um grande problema ambiental.

Um estudo estatístico, conduzido por Marengo e Alves, do CPTEC/Inpe, já demonstrava a tendência de queda acentuada na vazão do Rio Paraíba do Sul, piorando ano a ano, desde 1960. A partir daí podem-se notar os problemas estruturais relativos ao consumo de água na região, que não foi ampliado adequadamente e continua calcado apenas no aumento da captação da água do rio. Paralelo a isto, outro problema é a redução do volume de água e a concentração de esgoto não tratado causa a proliferação de algas prejudiciais à saúde, principalmente na represa do Funil. As estações de tratamento de água aumentam a quantidade no uso do cloro e de sulfato de alumínio, que são prejudiciais à saúde e ao ecossistema, não esquecendo que o Rio Paraíba do Sul é campeão em contaminação por hormônios (estradiol e estriol).

Em Volta Redonda, o desperdício na distribuição de água chega a 40%. A Avenida Almirante Adalberto de Barros Nunes, a Beira Rio, se tornou o maior problema na distribuição de água de Volta Redonda nos últimos dias. Durante a semana passada, a forte chuva provocou duas rupturas na tubulação no período de 24 horas. No último mês o prefeito Antonio Francisco Neto (PMDB) contratou uma empresa sueca para consultoria com o intuito de solucionar a crise hídrica. Pasmem, dentre os projetos apresentados pela empresa estava a proposta de instalação de uma usina termoelétrica. O uso de energia termelétrica provoca o lançamento de gases na atmosfera e ocorre o despejo água quente no meio ambiente. O maior impacto ambiental produzido pelas termoelétricas são os gases, muitos deles de efeito estufa. São produzidos óxidos e dióxidos de enxofre, óxidos de nitrogênio, monóxido e dióxido de carbono, outros gases e particulados. Resolução de um problema com outro?

Não é crise, é colapso! Racionamento para quem?
O consumo residencial de água é 4% do total, o agronegócio consome mais de 70%. Ele é responsável pela exportação de 112 trilhões de litros d'água por ano, ao passo que apenas 15 trilhões seriam necessários para abastecer toda a população brasileira no mesmo período. Um consumo 7,5 vezes maior que o da população total do país. E está faltando água pra quem? E quem está sofrendo racionamento?

Na disputa propositiva do parlamento, no último dia 05 o deputado estadual Flávio Serafini (PSOL-RJ) apresentou o Projeto de Lei que cria o Plano de Urgência Hídrica, o qual em caso de escassez de recursos hídricos o consumo humano e dessedentação animal devem ser prioridades. A água destinada ao uso doméstico não deve se encontrar disponível em menor proporção do que a quantidade destinada ao latifúndio e ao agronegócio. 
Nossas vidas valem mais que os lucros de poucos que detêm riqueza cifrada em lotes e arrobas!

Além do desastre natural que representa a super exploração de um rio da importância hídrica do Paraíba do Sul, a falta de planejamento no abastecimento de água de regiões com grande crescimento econômico e demográfico é um fato de irresponsabilidade e descomprometimento dos respectivos poderes públicos estaduais. O rio não pode continuar sendo a única fonte de abastecimento dessas regiões.

Água não é mercadoria. A administração desse recurso fundamental foi concedida à iniciativa privada tanto em São Paulo quanto no Rio de Janeiro. Além disso, os mesmos reservatórios de água estão associados a usinas de geração de energia, também concedidas à iniciativa privada. Claramente, está posto um conflito de interesses muito perigoso para a segurança do abastecimento hídrico das populações atendidas. A transposição do Rio Paraíba a fim de abastecer o também negligenciado sistema de abastecimento Cantareira, significa a solução ara um sistema de abastecimento falido usando outro sistema também falido.

De acordo com Alexandre Costa, Ph. D. em Ciências Atmosféricas (UECE), e militante do PSOL, “é preciso atuar embaixo, na adaptação, mudando a gestão da água, adaptando casas, adotando reuso e sobretudo recusando a demanda do grande capital materializado no agronegócio, grande indústria e setor energético. Mas é preciso atuar em cima com igual radicalidade e urgência, cortando as emissões de CO2 e demais gases de efeito estufa, revertendo o processo de desmatamento e assegurando o direito à terra aos povos originários, nem que seja "apenas" em nome do destino da nossa própria civilização”.

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